Por fim lhes digo minha ultima e
mais maluca suposição, este devaneio em que coloco o amor em pé de igualdade
com um longo e complicado jogo de vídeo game. Agora veja se não tenho, senão o
gozo completo de minhas faculdades mentais, uma suficiente parcela das mesmas.
O primeiro contato não difere em
nada de aprender os comandos básicos. Você testa suas técnicas, percebe o que
cada ação pode provocar, ajeita-se à situação como faz com o controle antes de
iniciar a partida. E alguns, por segurança ou falta da mesma, teimam em cursar
um tutorial, ir com calma, aprendendo cada jogada antes de começar. Outros são atirados, se jogam de peito aberto,
prontos para receberem uma bala (ou um simples não, como queira chamar). Tudo
pronto, apertamos o start e, como numa fase decisiva, as mãos começam a suar,
os olhos ficam vidrados e a tensão se inicia.
Até que a princípio os
obstáculos parecem fáceis. Você passa por eles com muita facilidade. Pois bem,
beijar por beijar é moleza, mas às vezes um compromisso é uma boa escolha.
Nesse caso, eu diria que o player gostou mesmo da aventura e, já que é assim,
decide continuar até o fim, diferente de quando o jogo é tão sem graça que
enjoa.
Cismado que o jogo será legal
até o fim, o doutor jogador vira as madrugadas, deixa de comer, esquece até
mesmo que precisa ir ao banheiro, corre dia e noite com os olhos na tela, da
TV, do celular, que seja. Mas uma hora aquela má fase chega. Obstáculos mais
ofensivos, chefões com os nervos à flor da pele, caminhos cortados por um
maldito rio! Às vezes a situação fica tão difícil de ser contornada que o
jogador mete o controle na parede e apaga de vez o console, precisa de um
tempo. É hora de buscar um detonado, ou um amigo, que te aconselhe como passar
de fase. E voltamos a jogar, horas ou
dias depois, passando por aquele período e encontrando outros, outros e outros,
piores e melhores.
Caminhando com certa
dificuldade, digamos que ele zere no modo EASY, ou seja, passe pelos
maravilhosos anos de namoro. “Não, eu posso ser melhor que isso”, diz. Avança
pro MEDIUM, também chamado noivado, e conquista-o também. Eis que chega a fase
HARD, temido e adorado casamento.
São fases iguais, com dificuldade
triplicada. Poderia dizer que, sabendo vencer as anteriores, qualquer um se
sairia bem, mas o casamento nos vem também com um pacote de cenas extras,
dessas que costumam ter no fim dos jogos, onde se incluem o convívio com a TPM,
as crises do trabalho e assuntos bem delicados chamados filhos.
Alguns desistem nos primeiros
passos, pois nem os macetes anteriores adiantam mais. O disco também pode
arranhar e não querer mais funcionar nem que lhe banhe de álcool, esfregue nele
pasta de dentes ou mande rezar-lhe uma missa. Por sorte temos muitos
persistentes por aí, que seguem firmes, buscando brechas, escapes e formas de
desviar-se das barreiras que a pista impõe. Esses são congratulados com as
felicidades do fim de jogo, com a satisfação por ter vencido mais uma vez no
mais alto nível de dificuldade. Guardam o disco como uma relíquia e o preservam
para lembrar o passado, o presente e o feliz futuro que ainda terão.
Concordem ou não, o amor pode
ser, sim, inscrito metaforicamente na forma de um jogo. E, conselho, se quer um
dia mesmo viver um amor de verdade, consistente, firme, não deixe o disco
estragar. Ao invés de simplesmente jogá-lo até gastar para depois mandá-lo num
latão de lixo e ir à loja comprar uma novidade mundial, cuide bem, guarde na
capa, seja meticuloso com a poeira, e, o mais importante, jamais deixe de
tentar. Um jogo é feito para ser difícil, para consumir tempo, para testar a
dedicação e o apego. Não difere o amor.
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