terça-feira, 2 de julho de 2013

Três pra casar


Filho do interior, fui criado num tradicionalismo rigoroso. Cresci esperando a visita sumir na curva distante antes de bater a porta, e tomando a benção aos mais velhos antes de ir para cama. As serras fluminenses guardam um pouco disso, assim como conservam as pesquisas nostálgicas sobre trava-línguas e ditos populares nas festas de folclore. Uma pena que os dois beijinhos não venham gozando de tal proteção.
Acostumado a levar a mão ao ombro e condecorar as bochechas das senhoras com dois estalares de lábios, não me acomodo a dar um beijo só nos cumprimentos e despedidas! Protesto! Me indigno com a frieza do unitário. Deixar de dar dois beijos por aqui é o mesmo que pedir ao carioca para abandonar o chiado ou ao mineiro para largar o trem. É tradição, é educação, como deixar o dono da casa se servir primeiro no almoço de domingo.
Não bastando essa deformação cultural, corromperam também o abraço. Antes valíamos dele após os dois beijinhos, como forma de expressar ainda mais carinho e aproximação. Agora, fizeram com que sirva de arma de ruptura.
Ontem mesmo cumprimentei uma amiga, amiga velha, diga-se, quem mais precisava conservar os costumes. Cumprimentei com os olhos, seguidos pelo sorriso e passei ao primeiro beijo. Lábios descolando da maçã do rosto, fiz menção de alcançar o outro lado da face, mas fui interrompido por um abraço que dizia com ferocidade:
- Dois beijos não passam, meu chapa.
Beijo morto na ponta dos lábios, parti tristonho, sem a satisfação do cumprimento completo. É difícil velar um defunto tão influente no cotidiano! Mas o meu medo principal, fora as boas relações, é que, se já não persistem sequer dois, que será dos casamentos? É preciso três pra casar!





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